quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Omar Khayyam e algumas de suas influências literárias no Ocidente

Para os incansáveis leitores de poesia que não se contentam apenas com o já conhecido no Ocidente, uma ótima sugestão de leitura é a obra do poeta persa Hakim Omar Khayyam (1048-1123), cujo reflexo se faz presente na produção de um dos maiores poetas portugueses de todos os tempos: Fernando Pessoa. Com a variedade de autores com os quais dialoga, em Pessoa é possível encontrarmos os ecos dos Ruba'iyat, de Khayyam. Perpassando a cultura do Islã e uma forma de estoicismo, a criação poética de Khayyam revela o mundo interno e externo de um poeta que tem, na metáfora do vinho, a motivação estética que funciona como a possibilidade de fuga do real não compreendido. Em Pessoa, por sua vez, o Poema Ruba'iyat é o letimov para esquecer a realidade e para servir como tentativa de troca por um tempo que jamais existirá. Então, nada mais oportuno do que o vinho como superação dos amores incertos: "[...] Se tive amores? Já não sei se os tive/Quem ontem fui já hoje em mim não vive/Bebe, que tudo é líquido e embriaga/E a vida morre enquanto o ser revive [...]" (Pessoa) e: "[...] Troca por vinho o amor que não terás/O que 'speras, perene, perene o 'sperarás/O que bebes, tu bebes. Olha as rosas/Morto, que rosas é que cheirarás?" (Khayyam). Podemos perceber, assim, que a vertente oriental do poeta português, após seu contato com a poesia de Omar Khayyam, adquiriu uma dimensão que não se limita apenas às correntes de pensamento do Oriente, como o Budismo ou o Hinduísmo, mas aponta a mundividência do poeta e astrônomo persa, bastante presente na criação pessoana, como o leitor pode conferir, por exemplo, em Ricardo Reis e Bernardo Soares. Não é por menos que a poesia de Khayyam conquistou Pessoa, pois, no poeta persa, estão o olhar sobre o mistério do universo e o esforço incessante de compreender o desconhecido, bem como, ao mesmo tempo, a impotência de quem está diante do irremediável. Enquanto, muitas vezes, os sistemas dos filósofos são apenas miragens no deserto, a vida vai mais além, inútil é tentarmos entendê-la. Por isso mesmo, Khayyam propõe que vivamos satisfeitos e mais despreocupados com o ininteligível da vida e da morte. Quanto ao amor, cumpre não confiarmos em demasia em sua divinização, muito menos exaltarmos a mulher, afinal, o amor é apenas um delírio fugaz e o beijo é bem o seu reflexo: por mais ardente e delicioso que seja, acaba. Portanto, ninguém melhor que Omar Khayyam viu a precariedade do destino humano, e a lição que daí resulta é o imediatismo e a necessidade imperiosa de se viver o momento presente. O passado não volta mais, o futuro é incerto, podendo vir acompanhado de tristezas e decepções. Cumpre, pois, aproveitar intensamente o momento atual, que passa rápido como o esplendor transitório de uma rosa. É necessário colhê-lo e aspirá-lo antes que murche. Fica, então, uma das possíveis sugestões de leitura da poesía de Khayyam: para não perdermos a coragem de viver, é necessário embriagarmo-nos com o momento presente, único e mais verdadeiro. Nesse sentido, a exaltação da embriaguez nos dará ao menos a ilusão de uma eternidade...

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Sobre corvos e cavaleiros: a resistência à ditadura brasileira através de canções com referências literárias

A quantidade de assuntos que se apresentam no momento de "riscar uma coluna" é enorme e conseguir recortar algo interessante acaba se tornando uma tarefa um tanto quanto ingrata. Feita essa pequena ressalva introdutória (tão curta quanto desnecessária), passemos ao assunto do dia: canções brasileiras que dialogam com a literatura e o modo como as mesmas se converteram em instrumentos de resistência/crítica ao regime militar brasileiro (1964-1985).

Elis Regina (1945-1982), a estrela de Falso Brilhante.
Concentraremos nossa atenção no trabalho da cantora gaúcha Elis Regina (foto), mais especificamente em seu espetáculo Falso Brilhante, que ficou em cartaz entre 1975 e 1977 na cidade de São Paulo. Ao analisar algumas das canções presentes no roteiro, explicitando a relação de intertextualidade que estabelecem com textos literários, pudemos perceber como o sentido das letras era explorado pela intérprete para compor um "dossiê" sobre o momento político do país.

É certo que a atitude da cantora de conceber um espetáculo musical nestes termos e a nossa atitude de interpretá-lo pelo viés que estamos adotando, pressupõe o entendimento da arte em geral como uma possível ferramenta para a contestação do mundo tal qual ele se nos apresenta, ainda que em linguagem cifrada e não diretamente acessível.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Edital 03 -2012: seleção de contos



Edital 03 - 2012 (Conto)

A Revista Encontro Literário, inscrita no ISSN 2237-9401, tem como objetivo fomentar a produção literária, bem como estimular o prazer da leitura. Para isso, publicaremos dois editais: o do primeiro semestre será dedicado ao gênero Conto e o do segundo semestre ao gênero Poesia.

REGULAMENTO
Art. 1º – A Revista Encontro Literário, por meio deste edital, abre inscrições para publicação de Contos, com temática livre.
§ 1º – As inscrições são gratuitas.
§ 2º – Ao se inscreverem, todos os candidatos aceitarão automaticamente todas as cláusulas e condições estabelecidas no presente regulamento.
Art. 2º - Serão consideradas duas categorias, a saber: Categoria Juvenil (de 12 aos 17 anos) e Categoria Adulta (a partir de 18 anos)

Das inscrições
Art. 3º – O edital é aberto a todos os interessados, desde que o texto seja escrito em língua portuguesa.
Art. 3º – As inscrições serão realizadas através do e-mail revistaencontroliterario@yahoo.com.br no período de 5 de março a 30 de abril de 2012.
Parágrafo único – Não serão aceitos textos discriminatórios, pornográficos ou que façam apologia às drogas.
Art. 4º – Cada participante pode se inscrever com 1 (uma) produção literária. Os contos devem ser inéditos, ou seja, que ainda não tenham sido publicados em livros, jornais ou outros meios.
§ 1º – Os contos devem ser enviados em arquivo Word (preferencialmente versão 2003), para o e-mail revistaencontroliterario@yahoo.com.br, com pseudônimo e título.
§ 2º - Em arquivo separado da obra, devem ser enviadas as seguintes informações: título da obra, pseudônimo, nome completo, endereço completo, telefone de contato e e-mail, bem como uma mini-biografia.
§ 3º - No campo assunto, deve ser mencionada a categoria pertencente (juvenil ou adulta).
§ 4º - Os trabalhos devem ser digitados em editor de texto eletrônico Word (preferencialmente versão 2003), seguindo as seguintes configurações:

a) Fonte Arial ou Times Roman, tamanho 12;
b) Espaçamento entre linhas de 1,5 cm.
c) Cada conto não deve exceder o limite de 02 (duas) laudas.


Art. 5º – Serão selecionados 3 (três) contos em cada categoria, para publicação no site da Revista Encontro Literário, inscrito no endereço www.revistaencontroliterario.blogspot.com
§ 1º – Ao enviar as produções literárias, o participante tem a plena consciência de que autoriza a Revista Encontro Literário a publicar suas obras sem nenhuma espécie de ônus para a Revista.

Premiação
Art. 1º - Os autores que tiverem seus contos selecionados para publicação, receberão como premiação:
a)    Categoria Juvenil: 1 (um) exemplar da obra O Cão dos Baskervilles, de Sir Arthur Conan Doyle, 1 (um) exemplar da obra Contos que Machado de Assis e Jorge Luis Borges Elogiaram, de Raphael Reis e 1 (uma) Menção Honrosa.
b)    Categoria Adulta: 1 (um) exemplar da obra A Dama do Cachorrinho, de Anton Tchekhov, 1 (um) exemplar da obra Contos que Machado de Assis e Jorge Luis Borges Elogiaram, de Raphael Reis e Menção Honrosa.

Da comissão julgadora
Art. 6º – A Comissão Julgadora é composta pelos editores e colaboradores da Revista.
Parágrafo único – A Comissão Julgadora terá autonomia no julgamento, isto é, a decisão da comissão é irrevogável.
Do resultado
Art. 7º – O resultado do Concurso será divulgado, em maio de 2012, no site www.revistaencontroliterario.blogspot.com. A publicação das obras selecionadas acontecerá no mesmo mês.

Das disposições finais
Art. 8º – Os casos omissos serão decididos pelos Editores da Revista.

Juiz de Fora, 10 de fevereiro de 2012.

Editores

Aílton Augusto
Paulo Tostes
Raphael Reis

Material de Propaganda do Edital 03 - 2012 (Seleção de Contos)



Opa! Você já ficou sabendo da novidade? Não?
Então saca só:

A Revista Encontro Literário está recebendo contos de TEMA LIVRE para sua próxima edição e VOCÊ (é, você mesmo) também pode participar mandando um trabalho em português para a categoria juvenil (de 12 a 17 anos) ou para categoria adulta (a partir de 18 anos).

Queremos divulgar os textos de jovens (e também de adultos) interessados em fazer bonito quando o assunto é literatura. E tem mais: além de publicar os 03 trabalhos escolhidos, enviamos para cada autor um Certificado de Menção Honrosa e dois livros como premiação.

Se você  CURTIU  a ideia, acesse o nosso blog para conhecer o regulamento completo e aproveite para ficar por dentro de dicas de livros bem bacanas e muito mais! Confira:

Uma breve reflexão sobre a proposta literária de Anton Tchekhov


Em meio à oportuna sugestão de um dos contos mais conhecidos de Tchekhov, A dama do cachorrinho, vale lembrar que até o século XIX a literatura russa ainda não tinha chamado a atenção do mundo literário. Somente a partir do contato com os modelos de organização política e estética, vigentes na Europa mais moderna, é que haveria uma aproximação com a cultura europeia, sobretudo, através da tradução dos grandes autores franceses da época. É nesse momento que os bons escritores russos passariam a questionar a identidade de sua própria produção, surgindo, assim, escritores como Púchkin e Gógol, no início do século XIX. Nessa linha de uma consciência estética mais apurada é que Anton Tchekhov (1860-1904) despontou como o escritor clássico russo que abriu os caminhos para a literatura contemporânea e influenciou a formação da prosa e do drama do século XX. Toda a sua produção se destacará, então, por uma perspectiva verbal concisa para atingir tal grau de condensação formal que seus contos poderiam ser comparados simbolicamente a icebergs, ou seja, o texto de Tchekhov revela apenas uma parte do mundo de seu autor. Nesse sentido, caberia aos seus leitores a descoberta, nas entrelinhas do texto, a profundidade da dimensão interior do inesgotável universo tchekhoviano. Como um dos grandes escritores russos de todos os tempos, Tchekhov entendeu que a grande literatura é aquela que permite a liberdade de se interpretar o texto literário como um privilégio sagrado do bom leitor, tornando-se este um participante ativo que deve acrescentar à obra aquilo que ainda não foi dito...

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Poesia Pérsia: o Rubaiyat, de Omar Khayyan

Poesia Pérsia: o Rubaiyat, de Omar Khayyan

Raphael de Oliveira Reis[1]

A poesia não é menos misteriosa que os outros elementos do orbe. Tal ou qual verso afortunado não pode envaidecer-nos, porque é dom do Acaso ou do Espírito; só os erros são nossos. (Borges, Elogio a Sombra, 1969)


Particularmente, em minhas leituras, sempre privilegiei os gêneros conto e romance, pois tinha dificuldades em ler poesias.
Na época em que cursei a disciplina Literatura Espanhola (UFJF), a professora Silvina Carrizo detectou a chave desta questão, dizendo: “você não pode querer racionalizar todas as poesias; muitas poesias são para ser sentidas”. Isto de fato ficou gravado em minha memória e a cada obra de poesia lida a partir deste momento, fazia um esforço para sentir e não racionalizar. Porém, confesso que somente a partir dos Rubaiyat, de Omar Khayyam, que consegui sentir a poesia com naturalidade. Claro, isso pode estar aliado a 3 temáticas que aparecem em boa parte de seus Rubaiyat, e que me fascinam, a saber: a vida, a mulher e no meio destes dois, o vinho.
     O verdadeiro nome de Omar Khayyan era Ghiyath Al Din Abul Fateh Omar Ibn Ibrahim Al Khayyan e nasceu em Nishapur, a capital provincial de Khurasan em torno de 1044 e morreu em Bishapur, em 1123. Foi matemático, astrônomo, filósofo, médico e poeta persa – a partir de 1935, a Pérsia passou a ser denominada Irã.



A álgebra foi o primeiro campo no qual fez grandes contribuições, fez uma tentativa de classificar a maioria das equações algébricas, incluindo as equações de terceiro grau. Desenvolveu também a expansão binomial quando o expoente é um inteiro positivo. Foi considerado o primeiro a encontrar o teorema binomial e determinar coeficientes binominais. Na geometria, estudou generalidades de Euclides, contribuindo assim com a teoria das linhas paralelas.


Suas contribuições a outros campos da ciência incluem um estudo das  generalidades de Euclides, do desenvolvimento dos métodos para a determinação  exata da gravidade específica. Na metafísica, escreveu três livros: Risala, Dar Wujud e o Nauruz-namah  recentemente descoberto. Era também um astrônomo de renome e um médico.


Apesar de ser um cientista, Omar Khayyan era também um ótimo poeta, e foi com a poesia que tornou-se conhecido mundialmente, em 1839, quando Edward Fitzgerald publicou uma tradução inglesa de seu Rubaiyat.




Este se tornou em um dos clássicos mais populares da literatura mundial. Deve-se considerar que é praticamente impossível traduzir exatamente todo o trabalho literário em outra língua, principalmente na língua árabe e seguindo a métrica que o persa utilizou para compor seu Rubaiyat. Apesar destas dificuldades, a popularidade da tradução do Rubaiyat indicaria a riqueza de seu pensamento.


Uma das coisas mais interessantes neste livro, aliás, o que acontece com os bons livros, são os múltiplos níveis de interpretação que ele permite ao leitor. Da maneira como é escrito, uma seqüência de 120 quadras, sendo que cada quadra contém dois primeiros versos rimados, o terceiro verso é livre e o quarto volta com a rima. No entanto, ao se traduzir, é dificílimo manter as rimas entre os dois primeiros versos com o quarto verso, embora isso não seja um empecilho para o deleite da poesia de Omar Khayyan.


O vinho, símbolo principal da obra, o qualprovoca a embriaguez, condenado tão veementemente pelo islamismo e adorado pela antiguidade romana, cujo representa o hedonismo, a sensualidade, a ignorância e o contato mais suave com a mulher e com o amor.


            Além dessas questões supracitadas, não poderia deixar de mencionar a criativa intextualidade do genial e enigmático escritor argentino, Jorge Luis Borges, em seu livro “Elogio a Sombra”, de 1969, onde homenageia o autor persa com o seguinte Rubaiyat:





Volte em minha voz a métrica do persa


A recordar que o tempo é a diversa


Trama de sonhos ávidos que somos


E que o secreto Sonhador dispersa.



Volte a afirmar que é a cinza o fogo,


A carne o pó, o rio o fugidio


Reflexo de tua vida e de minha vida


Que lentamente se nos esvai logo.


Volte a afirmar que o árduo monumento


Que constrói a soberba é como o vento


Que passa e que, à luz inconcebível


De Quem perdura, um século é um momento





Volte a advertir que o rouxinol de ouro


Canta uma única vez no sonoro


Ápice da noite e que os astros


Avaros não prodigam seu tesouro.





Volte a lua ao verso que tua mão


Escreve como transforma no temporão


Azul o teu jardim. A mesma lua


Desse jardim há de procurar-te em vão.





Sejam sob a lua das ternas


Tardes teu humilde exemplo as cisternas,


Em cujo espelho de água se repetem


Umas poucas imagens eternas.



Que a lua do persa e os incertos


Ouros dos crepúsculos desertos


Voltem. Hoje é ontem. És os outros


Cujo rosto é o pó. És os mortos.





Enfim, deixo-vos com um aperitivo de alguns poemas do Rubaiyat, de Omar Khayyan:


1


Nunca murmurei uma prece,


nem escondi os meus pecados.


Ignoro se existe uma Justiça, ou Misericórdia;


mas não desespero: sou um homem sincero.





9


Que pobre o coração que não sabe amar


e não conhece o delírio da paixão.


Se não amas, que sol pode te aquecer,


ou que lua te consolar?



14


Tenho igual desprezo por libertinos ou devotos.


Quem irá dizer se terão o Céu ou o Inferno?


Conheces alguém que visitou esses lugares?


E ainda queres encher o mar com pedras?


21


Cristãos, judeus, muçulmanos, rezam,


com medo do inferno; mas se realmente soubessem


dos segredos de Deus, não iam plantar


as mesquinhas sementes do medo e da súplica.


26


Ninguém desvendará o Mistério. Nunca saberemos


o que se oculta por trás das aparências.


As nossas moradas são provisórias, menos aquela última.


Não vamos falar, toma o teu vinho.



37


Quando me falam das delícias que na outra vida


os eleitos irão gozar, respondo:


Confio no vinho, não em promessas;


o som dos tambores só é belo ao longe.


58


Senta-te e bebe, felicidade que Mahmud não teve.


Escuta os sussuros dos amantes, são os Salmos de Davi.


Não te importes com o passado, não sondes o futuro,


não percas este instante: Eis a paz.



66


Vinho, bálsamo para o meu coração doente,


vinho da cor das rosas, vinho perfumado


para calar a minha dor. Vinho, e o teu alaúde


de cordas de seda, minha amada.


92


Não aprendeste nada com os sábios,


mas o roçar dos lábios de uma mulher em teu peito


pode te revelar a felicidade.


Tens os dias contados. Toma vinho.


Observação: A íntegra da obra está em domínio público e pode ser facilmente baixada na internet.




[1] É Mestrando em Educação (UFJF), Especialista em Políticas Públicas (UFJF), e Graduado em História (UFJF). Trabalha como Professor de Suporte Acadêmico no Caed-UFJF, Editor na Revista Encontro Literário, Assessor Político e Consultor na área de Formação do Leitor e Formação Política.