Felipe
Lindoso é graduado em antropologia pela Universidad Nacional Mayor de San
Marcos, de Lima (Peru) e mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia
Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Museu Nacional). É jornalista
e foi sócio-fundador e diretor da Editora Marco Zero, de 1980 a 1998. Foi
assessor da Câmara Brasileira do Livro (CBL), ocupando diferentes cargos, e
consultor do Cerlalc.
O
título do livro “O Brasil pode ser um
país de leitores?” revela por si só uma questão intrigante e uma
problemática atual.
A
obra de Felipe Lindoso está estruturada em 3 seções, a saber: Política da Cultura,
O Livro e a Política Cultural e Globalização e Cultura.
Na
primeira seção faz uma crítica inicial à formulação genérica e muito distante
dos artigos 215 e 216, da Constituição Federal de 1988, destinados à cultura.
Segundo Lindoso, o segmento cultural que absorve mais gastos dentro do
Ministério da Cultura (MinC) é o patrimônio, e que a política de renúncia de
impostos que o Estado deixa de arrecadar como acontece, por exemplo, com a Lei
Rouanet (criada em 1991) beneficia projetos previamente aprovados e sem um
planejamento de investimento cultural. Ainda, neste sentido, sua crítica
estende-se aos muitos projetos que não permitem o acesso ao grande público.[1]
Ou
seja, a política cultural de fato vigente, por um lado, repousa nas aplicações
na preservação do patrimônio histórico e, por outro, destina-se quase
exclusivamente ao financiamento de eventos e ao dinheiro diretamente absorvido
pelos artistas e produtores culturais. Quase nada se destina a permitir o
acesso público aos “bens culturais” gerados com os recursos públicos. (LINDOSO,
2004, p.24).
Após
fazer esse diagnóstico da atualidade, tece reflexões sobre o contexto histórico
brasileiro para entender como foram tratadas as questões culturais,
especificamente a partir do período joanino
(1808-1822), já que antes, isto é, 3 séculos, o Brasil não tinha nada neste
sentido – não tínhamos imprensa, nem universidades.
É no período joanino que o Brasil começa a ter uma “política de cultura”, mesmo
que restrita de vários pontos de vista: geográfico (somente no Rio de Janeiro),
de público (acessível à elite) e de financiamento (a prática do mecenato para
uma quantidade de artistas reduzidos).
Da
passagem do Império para a República Velha, a grande modificação seria a
desvinculação do patronato elitista, estabelecido no Império com a expansão do
sistema educacional, ou seja, a produção artística começa a ganhar autonomia
(surgimento da música popular e a formação de uma indústria editorial).
Na
segunda seção do livro, intitulada O
Livro e a Política Cultural, Lindoso trata da trajetória da indústria
editorial no Brasil, a qual até 1808 não existia, por haver proibição à colônia
de estabelecer qualquer tipo de imprensa. Porém, com Dom João VI, houve uma
iniciativa de implementação; embora muito restrita, já que era uma imprensa
régia, usada somente para documentos oficiais. Somente em meados do século XIX
é que vamos ter as primeiras casas editoriais, tais como: Laemmert e a Garnier.
No entanto essas casas editoriais mandavam imprimir em Paris e Portugal, porque
as obras saiam mais barato e de melhor qualidade. Um ponto de destaque nesta 2ª
seção é a questão da importância do livro didático na formação do mundo
editorial, pois o Governo e, principalmente, num primeiro momento, as famílias,
passam a comprar devido o começo da sistematização do ensino público, laico e
destinado às camadas populares.
Lindoso
(2004, 92) comenta que
[...] a produção de livros didáticos foi,
desde o início do século, o grande motor para a consolidação de grandes
empresas editoriais. Estas se beneficiavam diretamente dos investimentos do
país na educação, com o aumento da rede física das escolas e do número de
estudantes. Entretanto, a participação direta dos governos (federal, estadual e
municipal) na aquisição de livros era relativamente pequena. As editoras
vendiam para os pais dos alunos, por meio das livrarias.
Neste
sentido, é importante perceber que o livro didático será o principal meio de
leitura e acesso às informações a partir desse momento. Para se der uma idéia,
em 1996, com o Programa Nacional do Livro Didático, o Ministério da Educação
tornou-se o maior comprador de livros do país e do mundo, na época dos dois
primeiros governos de FHC (1995-2001), totalizando a compra de 1 bilhão de
exemplares.
Na terceira e última seção do livro,
Globalização e Cultura, o autor
mostra que o livro foi o primeiro objeto cultural de globalização, iniciado com
a Era Gutenberg (1445), pois permitiu
maior circularidade das produções, visto que diminuiu o preço da produção e
rompeu com fronteiras geográficas. Nesta parte aponta a preocupação com os
conglomerados editoriais, questionando a não abertura para edição de livros de
autores novos, bem como o foco de livros de best-seller e didáticos, por terem
um mercado mais consolidado e de fácil giro. Também são discutidos os direitos
autorais, os quais produzem divisas (nos EUA é a segunda maior divisa, perdendo
somente para a de armamento) e de maneira sucinta, faz algumas reflexões sobre
o livro eletrônico.
Feita essa estrutura dorsal do livro
de Lindoso, perguntamos, afinal, como ele aponta uma possível saída para o
Brasil ser um país de leitores? Esse caminho seria principalmente o
investimento em boas bibliotecas públicas e uma política de Estado para a
leitura e o livro.
No
que se refere às bibliotecas públicas, o autor aponta que
uma
política de bibliotecas públicas é, em primeiro lugar, uma política de inclusão
e de renda. Ao fornecer o acesso aos livros, criam-se dois processos de geração
de renda. O primeiro por fazer mover a engrenagem de produção da indústria
editorial é matemática e economês. Mas, o mais importante é o segundo: a
informação disseminada gera mais renda, mais aquisição não apenas de livros,
como também de informação e formação geral. (LINDOSO, 2004, 136).
No entanto, nos parece que a
formação de um público leitor não perpassa somente por esse ponto, apesar de
reconhecermos que ele é imprescindível. No 2º mandato de FHC houve um projeto
dentro do MinC que queria instalar uma biblioteca em cada município, o que
quase foi concretizado, porém não há um diagnóstico preciso sobre o
funcionamento destas bibliotecas nem se seus acervos são atualizados
regularmente. Ainda, pesquisas recentes como, por exemplo, Retratos da Leitura
no Brasil (2012) mostra que somente 1 de cada 10 brasileiros freqüentam uma
biblioteca.
Já a necessidade de política de
Estado para a questão de uma política cultural do livro, Lindoso tece uma
crítica consistente na separação entre o MEC e o MinC, na época do primeiro
governo civil (Sarney), após a redemocratização, qual seja, “o MEC ficou com o
‘sério’, o que significa resolver e cuidar das questões importantes da
educação, inclusive o livro didático, enquanto o Minc ficou com o simbólico até
hoje, com este se confundindo”. (LINDOSO, 2004, 176).
Para piorar a situação, no governo
Collor (1990-1992) houve o fechamento do Instituto Nacional do Livro (INL),
criado em 1937, no governo Vargas, cujo cuidava dos livros didáticos até o
começo da ditadura militar e das políticas do livro.
No
governo Collor, o INL foi extinto e criou-se o Departamento Nacional do Livro,
como uma diretoria da Biblioteca Nacional (BN), invés de termos um órgão dentro
do MinC, com essa responsabilidade, passa-se para a Biblioteca Nacional, a qual
já tem outras preocupações[2], o
que torna preocupante quando se quer tratar de uma política de Estado para a
leitura.
Em
resumo, Lindoso aponta para duas ações importantes para o Brasil se tornar um
país de leitores: acesso ao livro através de boas bibliotecas públicas e uma
política de Estado para leitura, juntando novamente o MEC e o MinC nas ações,
como uma secretaria desvinculada da BN, para que as políticas públicas do livro
e leitura ganhem mais seriedade e continuidade.
Enfim, postular favoravelmente, no intuito de
possibilitar o acesso ao livro com a instalação de boas bibliotecas públicas,
além de uma política de Estado, para dar continuidade às políticas, é louvável.
Por outro lado, é preciso investir também, a nosso ver, na formação dos
leitores e de mediadores da leitura, para que possamos obter conquistas importantes rumo a um país de leitores.
[1] Um exemplo seria o cinema, o
qual produz filmes que nunca foram exibidos nem conhecidos por um grande
público.
[2] São responsabilidades e limites
institucionais da BN: coleções para serem catalogadas; falta de estrutura
institucional para ser um órgão responsável por uma política pública para o
livro, pois é um diretor e não um secretário do Ministério; depositária legal
de toda a bibliografia brasileira; centro de pesquisa; não tem condições para
conduzir uma política nacional do livro, pois dificilmente um governante de estado
vai ao Rio de Janeiro tratar com um diretor assuntos de política pública em
leitura; acentua uma separação esquizofrênica entre educação e cultura; e é
difícil para a BN gerenciar uma dimensão geográfica como a do porte do Brasil e
mais de 6.000 bibliotecas municipais. (Cf.
LINDOSO, 2004, 181)
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